quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Reciclagem de materiais de construção - Revista Téchne nº152


Em 1972 ocorreu a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, antecedendo a histórica reunião de 1992, a ECO92, em que se concluiu sobre a opção para solucionar o problema ambiental: o princípio do desenvolvimento sustentável. Esse princípio estabelece que: "Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele". A partir da Agenda 21, que ressalta aspectos ligados aos recursos naturais e à qualidade ambiental, nasceu um movimento denominado "construção sustentável", que propõe repensar a cadeia produtiva em todos os seus aspectos: extração de matérias-primas, processos de produção, saúde dos trabalhadores, qualidade e custo das construções.

Sem dúvida, é de grande importância que esse conceito seja adotado na indústria da construção civil, já que ela representa 40% da formação bruta de capital internacional e consome entre 14% e 50% dos recursos naturais extraídos no planeta (Schenini, Bagnati e Cardoso). No Brasil, por exemplo, esse setor gera de 41% a 70% da massa de resíduos urbanos, o que equivale a valores entre 230 e 760 kg/hab/ano (dados de 2006).

Classificação dos resíduos sólidos

Os resíduos sólidos podem ser classificados de acordo com o perigo que produzem em: Classe I - Perigosos; Classe II - Não Inertes (contaminados) e Classe III - Inertes. Os resíduos de construção e demolição (RCD) são predominantemente de Classe III, embora, devido à poluição, possam ser classificados minoritariamente como de Classe II.

Constituição dos RCD: restos de brita, argamassas, concretos, materiais cerâmicos, areia, gesso, madeira, metais, papéis, plásticos, pedras, tijolos, tintas, resinas, tubos, fios etc.

A geração de resíduos na construção civil é provocada por causas diversas, como se resume na tabela 1.

Geração, reciclagem e deposição de resíduos

Os países que apresentam uma elevada porcentagem de resíduos efetivamente reciclados, tais como Holanda, Dinamarca e Alemanha, possuem uma política ambiental austera e leis rigorosas que punem a deposição irregular de resíduos e, por outro lado, premiam as iniciativas que visam ao reaproveitamento e reciclagem desses materiais.

Estima-se que sejam gerados mundialmente cerca de 900 x 106 t/ano de RCD, 7% apenas nos EUA, sendo que grande parte desse volume de resíduos não é reciclado (P.K. Mehta).

A primeira aplicação significativa de reciclados ocorreu em cidades europeias após a 2a Guerra Mundial, em que entulhos foram britados para a produção de agregados. Atualmente a União Europeia gera 170x106 t/ano de RCD, sendo distribuídos conforme se mostra na figura 1.

Quanto à reciclagem de RCD, a tabela 2 apresenta o panorama em alguns países europeus, destacando-se a Bélgica pela alta percentagem de reciclagem de RCD, apenas abaixo da Holanda, líder absoluta na reciclagem de RCD, com a percentagem de 90%. Em resumo, o reaproveitamento de RCD se dá em: produção de agregados, contenções, aterros e estradas.

No Brasil, estima-se que 61% do total de resíduos gerados sejam representados pelos RCD e 28% pelos resíduos domiciliares. A produção de RCD se dá de acordo com a distribuição apresentada na figura 2.

A deposição irregular ainda é uma prática frequente nos países em desenvolvimento, que o fazem em: vales, margens de rios, a céu aberto, em terrenos baldios, em vias públicas ou em aterros sem qualquer tratamento específico. Isso ocorre apesar da legislação vigente em vários desses países (figura 3). Essa prática provoca uma série de custos ambientais, além dos relativos ao gerenciamento dos depósitos clandestinos e à falta de reaproveitamento de resíduos. Como exemplo tome-se a cidade brasileira de Goiânia, com 1,25 milhão de habitantes e que gasta cerca de US$ 850.000,00 por mês para coletar RCD lançados clandestinamente.

De acordo com Cavalcanti ("Políticas para a Reciclagem de Resíduos da Construção Civil"), a reciclagem de RCD, além de eliminar um problema, pode favorecer a geração de materiais de baixo custo e de boa qualidade.

Legislação ambiental

A existência de uma legislação firme e cuja aplicação seja bem fiscalizada tem trazido benefícios evidentes na gestão de resíduos. No Brasil, o cenário modificou-se com a publicação da Resolução no 307 do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) em 2002 e de uma série de normas regulamentadoras sobre o gerenciamento e o reaproveitamento de RCD a partir de 2004. Essa resolução, que já está em vigor, impõe obrigatoriedades tanto para os municípios quanto para os grandes geradores como as construtoras, que devem elaborar programas de gerenciamento de resíduos da construção civil. Atualmente, há leis e regulamentações federais, estaduais e municipais que tratam do assunto. Até mesmo agentes financiadores da construção têm exigido que requisitos dessa Resolução sejam atendidos para a liberação de financiamento da construção civil.

Em vários países, existem regulamentações que proíbem e punem severamente os responsáveis pela deposição de resíduos no meio ambiente. De acordo com a OECD (Organization for Economic Co-Operation and Development), em países como a Bélgica, Dinamarca, Japão e Holanda, a sociedade exerce uma grande pressão contra a utilização de áreas para a deposição de resíduos e a exploração desenfreada de recursos naturais; por esse motivo, o reaproveitamento e a reciclagem de resíduos estão ocupando um local de destaque na agenda política desses países. No Reino Unido, por exemplo, a cobrança de taxas sobre a deposição de resíduos de concreto incentivou as usinas de concreto pré-misturado a diminuir substancialmente a quantidade de resíduos gerados (Waste management issues for the UK ready-mixed concrete industry, B.J. Sealey, P.S. Phillips and G.J.Hill).

Reutilização, reciclagem e sustentabilidade

Segundo Castro e Guimarães, o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer o futuro. Deve-se tomar muito cuidado já que crescer nem sempre é desenvolver. As possibilidades de reciclagem da indústria da construção civil são enormes. Quanto aos RCD algumas aplicações usuais são em: material para pavimentação; agregados para produção de concreto; produção de argamassa e o uso de sucata de aço e materiais ferrosos.

A resolução Conama 307 regulamenta a destinação possível de resí­duos de acordo com a sua classe, como se resume na tabela 3.

Resolução Conama 307

Uma adequada gestão de resí­duos permite reduzir o impacto ambiental em vários aspectos, tais como: extração; geração; beneficiamento; transporte; tratamento; destinação final e aumento da vida útil de aterros sanitários.

Estudo de caso

Na EESC-USP foi realizado um projeto de pesquisa, desenvolvido em uma fábrica de pré-moldados de concreto do interior do Estado de São Paulo (Concrete structural blocks produced with recycled concrete aggregates, A.M. Buttler, M.R.S. Correa and M.A. Ramalho). O objetivo do estudo foi a produção de blocos de duas classes de resistência à compressão: 4,5 e 12 MPa, utilizando resíduos da própria fábrica como agregados reciclados.

Para a avaliação dos blocos gerados, foram analisadas as seguintes propriedades físicas: absorção de água, retração por secagem e resistência à compressão.

Caracterização dos materiais

Foram utilizados os seguintes materiais na confecção dos blocos: cimento de alta resistência inicial: CP-V-ARI-PLUS; aditivo plastificante: Rheomix 610 da MBT (Master Builder Technologies) e agregados reciclados de dois tipos de resíduos:

vigotas pré-moldadas: fc=35 MPa; elevado consumo de cimento; boa qualidade e baixa contaminação (<1%) - figura 4

resíduos de blocos de concreto: 10  fc  25 MPa; baixo consumo de cimento; elevado consumo de pó de pedra; baixa qualidade e contaminação desprezível - figura 5

Produção dos blocos

Os blocos foram fabricados utilizando-se uma vibroprensa Piorotti, com controle dos tempos de produção e cura isotérmica de 4 horas a 5 horas (60ºC - 67ºC). As dimensões dos blocos produzidos foram 140 mm x 190 mm x 290 mm.

Foram produzidos blocos com diferentes traços e percentagens de substituições de agregados naturais por reciclados. Para a produção de blocos da classe de 4,5 MPa (B4,5) a proporção cimento-agregados aproximou-se de 1:20, enquanto que para os blocos da classe 12 MPa (B12,0) foi em torno de 1:10. A designação dos blocos está resumida na tabela 4.

Resultados

A figura 6 mostra os resultados para a absorção de água pelos blocos, sendo que em todos os casos não foi ultrapassado o limite de 10% fixado pela NBR 6136 - Blocos Vazados de Concreto Simples para Alvenaria Estrutural. Utilizando-se o teste Anova (5% nível de significância) conclui-se que há uma influência significativa da resistência do bloco, com valores menores para a classe 12 MPa, e para as misturas com menores percentagens de substituições de agregados naturais.

Quanto à retração por secagem, os blocos da classe 12,0 MPa, indicados na figura 7, apresentaram resultados superiores aos de 4,5 MPa, o que era esperado por causa do maior teor de cimento. Outro ponto de destaque é que os blocos com agregados reciclados sempre tiveram maior retração que os respectivos blocos de referência, embora em nenhum caso tenha sido ultrapassado o limite superior de 0,065% estabelecido pela NBR 6136.

A figura 8 apresenta os resultados experimentais para a resistência à compressão aos 28 dias. Para a classe 4,5 MPa, os blocos com agregados reciclados tiveram sempre uma pequena redução na resistência à compressão ao compará-los com o de referência (agregados naturais). Já para os de classe 12,0 MPa sempre houve acréscimo. A aplicação do teste Anova indicou que a substituição do agregado não afeta significativamente a resistência à compressão. Destaca-se que muitos blocos B4,5-RMV-33% apresentam arestas danificadas e fissuras por falta de coesão, devido à substituição da fração fina.

Viabilidade econômica (simplificada)

Finalmente, foi desenvolvido estudo simplificado de viabilidade econômica, comparando-se os custos de produção dos blocos da classe 4,5 MPa de agregados reciclados com os manufaturados com agregados naturais. Nesse estudo, admitiu-se que: os resíduos são subprodutos da fábrica; a fábrica possui sistema de reciclagem; não é necessário dispor resíduos em aterros; os resíduos gerados são utilizados na produção de blocos do grupo 4,5 MPa; alguns funcionários da fábrica são alocados para a britagem; todas as misturas têm o mesmo consumo de cimento e argamassa; os custos de reciclagem não são incluídos.

A tabela 5 resume os resultados da análise, sendo que os custos foram estimados em dólares americanos para a produção de 100 blocos em novembro de 2006. Observe-se que reduções de custo são tomadas em relação ao bloco de referência, produzido com agregados naturais.

O custo do cimento situa-se entre 45% e 50% do total, enquanto água e aditivos correspondem a 2%. Quanto aos insumos (materiais empregados), tem-se uma redução no custo de até 18% e no preço final de venda uma diminuição de até 10%, valor esse bastante significativo. Mesmo que não se observasse redução, ainda assim seria vantajoso pelos benefícios ao meio ambiente e melhoria na imagem da empresa junto ao mercado.

Conclusão

Foi apresentado um panorama geral sobre a reciclagem de materiais de construção. Evidenciou-se a necessidade de utilizar a reciclagem como uma ferramenta para a sustentabilidade. A gestão dos resíduos gerados pela construção civil é necessária, pois o setor produz enormes impactos ambientais. Uma legislação firme e bem aplicada tem efeitos importantes nesse processo. O estudo de casos apresentado mostra que a reciclagem de materiais de construção pode levar à redução de custos de produção.

 

Leia Mais

Gestão de Resíduos da Construção Civil. P.C. Schenini; A.M.Z. Bagnati and A.C.F. Cardoso. Anais do Congresso Brasileiro de Cadastro Técnico Multifinalitório, Florianópolis, Brasil, 2004, p. 1-13.
Reciclagem de Resíduos para a Construção Civil. E. Chahud; E. P. L. Alcântara and F.A.R. Lahr. Fumec/FEA, B. Horizonte, Brasil, 2007, capítulo 2, p. 35-75.
Greening of the Concrete Industry for Sustainable Development. P.K. Mehta, Concrete International, vol. 24, no. 7, jul. 2002, pp. 23-28.
Recycling of Concrete at a Precast Concrete Plant. Proceedings of BIBM, A. Van Acker, Paris, França, 1996, p. 55-67.
Draft of Spanish Regulations for the Use of Recycled Aggregate in the Production of Structural Concrete. P. Alaejos, E. Vazquez, F. Martinez, A. Polanco, F. Aleza, J.L. Parra And M. Burón. Proceedings of the International Rilem Conference on the use of recycled materials in buildings and structures, Barcelona, Espanha, 2004, p. 511-525.
Gestão de Resíduos da Construção Civil: a Visão do SindusCon-SP. A.A. Campos. Anais do 7o Seminário de Desenvolvimento Sustentável e a Reciclagem na Construção Civil, S. Paulo, Brasil, CD-ROM (palestra no evento).
Uso de Agregados Reciclados de Concreto em Blocos de Alvenaria Estrutural. A. M. Buttler [Tese de Dourtorado]. São Carlos, SP: EESC-USP, 2007.
Políticas para a Reciclagem de Resíduos da Construção Civil. D.K.C. Cavalcanti, Disponível: www.usp.br/fau/public [citado 10 mar/2004].
Resolução no 307, 05/07/2002. Disponível: www.mma.gov.br/port/conama [citado 10 mar. 2009]. Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
Recycling Strategies for Road Work. OECD (Organization for Economic Co-Operation and Development). France: Road Transport Research, 1997.
Waste Management Issues for the UK Ready-mixed Concrete Industry. B.J. Sealey, P.S. Phillips and G.J.Hill, Resources, Conservation and Recycling, Vol. 32, no 3-4, 2001, p. 321-331.
Reciclagem de Resíduos para a Construção Civil. J.C. Castro Silva and F.A. Guimarães, Fumec/FEA, Belo Horizonte, Brasil, 2007, capítulo 1, p. 15-34.
Concrete Structural Blocks Produced with Recycled Concrete Aggregates. A.M. Buttler, M.R.S. Correa and M.A. Ramalho, Proceedings of the 8ISSM, 2008, Istanbul, Turquia, p. 141-148.
NBR 6136 - Blocos Vazados de Concreto Simples para Alvenaria Estrutural. ABNT, Rio de Janeiro, Brasil, 1994. Associação Brasileira de Normas Técnicas.

Agradecimentos
O autor agradece ao CNPq, à Fapesp e à Tatu Pré-moldados Ltda.

 

Márcio Roberto Silva Corrêa, Professor-associado, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, mcorrea@sc.usp.br

Alexandre Marques Buttler, Doutor em Engenharia Civil - Estruturas, Caixa Econômica Federal, Alexandre.Buttler@caixa.Gov.Br

Márcio Antonio Ramalho, Professor-associado, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Ramalho@sc.Usp.Br


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