domingo, 14 de setembro de 2008

Estratégia para o Brasil

Por Michael Porter

  • Michael Porter é professor da Harvard Business School e um dos principais gurus de estratégia. Seu primeiro livro, Estratégia Competitiva: Técnicas para Análise de Indústrias e da Concorrência, dos anos 80, é um dos clássicos da literatura de negócios.

Sempre me impressionou muito o espírito empreendedor dos administradores brasileiros. O Brasil é um país onde há muitos talentos incríveis atropelados pelo sistema, talentos que têm de lidar com um monte de desvantagens e impossibilidades por causa do ambiente. Mas sempre há essa energia, o espírito empreendedor, criativo. Quando eu vinha ao Brasil, há 20 anos, para falar sobre estratégia, o típico administrador brasileiro me dizia: "Ora, eu não posso ter uma estratégia -- tudo é instável demais. Eu nunca sei o que vai acontecer amanhã".

Mas o Brasil chegou a um estágio no qual todos precisam ter uma estratégia. A estabilidade está chegando, e este é o momento de pensar no longo prazo e em estratégia para os negócios. Muito do sucesso deste país depende de melhorar seu ambiente competitivo.

Para isso, a comunidade administrativa precisa assumir mais responsabilidade pelas políticas econômicas. Os líderes administrativos têm de desempenhar papel maior, não apenas aconselhando o governo, mas também fazendo coisas por si mesmas.

O que cria um ambiente produtivo? E como a produtividade pode crescer para apoiar o sucesso do negócio à medida que o custo da mão-de-obra e das matérias-primas aumenta? Claramente, o aumento da produtividade tem relação com a capacidade de inovação. Quanto mais avançada é a economia, mais as empresas precisam fazer produtos únicos, usando processos de produção únicos, os mais avançados possíveis. Alguns desses processos a empresa provavelmente terá de criar por conta própria.

Não se pode simplesmente confiar em adquirir tecnologia -- é preciso ser capaz de criar tecnologia. Basicamente, a importância da produtividade é que ela sustenta o aumento do padrão de vida. Não se consegue ficar mais rico a não ser incrementando a produtividade. Também, no longo prazo, não se consegue criar empregos a não ser aumentando a produtividade. Esse é um ponto que muitos governos não percebem. Há um monte de coisas boas a respeito do Brasil, mas, em termos de inovação, o Brasil não vai bem nem em comparação com outros países da América Latina. A menos que possa haver geração de tecnologia mais avançada no Brasil, pode ser difícil para o ambiente aqui aumentar sua produtividade e, conseqüentemente, para o país realmente assumir posição de liderança econômica.

Quem cria riqueza são as empresas, e não a política macroeconômica

Sabemos que a produtividade é função de duas grandes condições: primeira, da conjuntura macroeconômica, política, jurídica e social. É preciso ter certo grau de estabilidade e qualidade nessas áreas para ser produtivo. Se o ambiente macroeconômico não for estável, ninguém vai investir. Todo mundo será oportunista, ninguém verá as coisas no longo prazo. Uma das coisas mais promissoras sobre o Brasil é a estabilidade começando a emergir, e há esperança de que ela continue.

O país precisa de um sistema político estável. Temos visto uma história muito promissora aqui na última década. Quanto às condições sociais, o Brasil tem os maiores níveis de desigualdade em relação a quase todos os países do mundo. Isso é um problema. Podemos ver progressos no topo da estrutura brasileira, e isso é bom.

Mas, para ter um ambiente produtivo, é preciso também satisfazer a segunda condição: fazer progressos na base, ou seja, na microeconomia. Nesse ponto acho que, embora as notícias não sejam de todo ruins, o Brasil não tem realmente uma estratégia.

O país tem progredido na luta contra a inflação, no trato da questão fiscal e na reforma do sistema previdenciário. Mas não há realmente uma estratégia para enfrentar a questão da produtividade microeconômica.

E isso vai ser terrivelmente necessário, porque o país pode ter a melhor política macroeconômica do mundo, mas isso, por si só, não gera um único real em riqueza. A única maneira de criar riqueza na sociedade é pelas empresas.

Logo, temos de concentrar muita, muita atenção no Brasil onde a riqueza é, de fato, criada. Um elemento central da produtividade no sentido microeconômico é a influência dos clusters. Um cluster existe não quando há uma empresa ou poucas empresas num setor, mas sim todo um grupo de empresas localizadas numa área geográfica relativamente pequena, apoiando-se mutuamente. Um bom exemplo é o do vinho californiano.

Para ser produtiva, a empresa precisa de um cluster. Precisa de fornecedores que possam trabalhar com ela todos os dias, precisa de prestadores de serviço, de escolas que treinem pessoas para seu negócio. Não dá para fazer tudo simplesmente importando os produtos de que necessita. É preciso uma massa crítica que forme um cluster. Hoje, há clusters no Brasil, os calçados são um excelente exemplo. Muitas pessoas no Brasil falam sobre a indústria aeroespacial por causa da Embraer. Não a considero um cluster, mas sim uma companhia.

Talvez haja um pequeno cluster surgindo a seu redor. Há alguns clusters no agronegócio bastante competitivos e produtivos. Mas acho razoável dizer que o conceito de cluster, de empresas que vêem a si próprias como parte de clusters e trabalham de forma proativa para aumentar sua eficiência, é algo que ainda não se firmou no Brasil. E vai ter de se firmar, porque sabemos, pelo exemplo das economias realmente avançadas, que os clusters são o ponto de onde vêm a inovação e os rápidos níveis de aumento da produtividade. O Brasil perdeu a fábrica da Intel na América Latina para a Costa Rica.

A empresa estava escolhendo entre o Brasil, a Argentina, o México e a Costa Rica. O país perdeu porque a Intel considerou que as condições para um cluster produtivo e eficiente não estavam presentes aqui no mesmo nível da Costa Rica, esse pequenino país. E o que a Costa Rica tinha que o Brasil não tinha? Um sistema de educação melhor, montes de engenheiros de software formando-se todos os anos, um conjunto de institutos de pesquisa capazes de trabalhar com a Intel assim que ela estivesse lá, utilização generalizada da tecnologia da informação, acesso à internet e conhecimentos de computação quase universais. Um cluster preexistente em eletrônica e montagem de aparelhos eletrônicos que provia uma base de fornecedores da qual a Intel podia lançar mão.

Na competição moderna, um país não atrai investimento estrangeiro apenas passando um cheque ou sendo uma grande economia com um mercado imenso. Ora, o Brasil viveu do fato de que é uma grande economia com um mercado imenso, mais ou menos como a China.

Não estou dizendo que isso seja verdade para o Brasil, mas quando pergunto sobre a China quase todo mundo diz: "Oh, meu Deus, eu odeio a China. Oh, como ela é corrupta!" E por que continuam lá? "Ah, eles têm o mercado..." O Brasil tirou vantagem disso, é um grande país, um grande mercado, tem um monte de gente aqui, mas a Intel não se importou com isso.

Ela queria um lugar produtivo. Outra coisa que aprendemos sobre a competitividade no ambiente de negócios é que você tem de olhá-la em múltiplos níveis. Políticas em nível nacional afetam a competitividade, mas o mesmo acontece com as políticas dos estados e municípios.

Algumas das coisas mais empolgantes que acontecem no Brasil têm como base os estados, não o nível nacional. Em partes do país encontram-se mais estratégia, mais dinamismo, mais energia, mais concentração. Mais responsabilidade por parte do governo local. Isso é algo que precisa ser estimulado. Mais autonomia nos níveis inferiores. Perto de onde os negócios realmente estão, perto de onde os trabalhadores realmente trabalham.

Também aprendemos que o processo de desenvolvimento econômico se transformou nas economias bem-sucedidas. No processo tradicional, o governo conduz o desenvolvimento: estabelece regras, cria políticas e concede incentivos ou subsídios.

No novo modelo, vemos um processo interativo, no qual não só o governo tem alguns papéis, mas também o setor privado, as universidades e as ONGs.

Todos trabalham de forma colaborativa. O mesmo ocorre nos diversos níveis de governo -- nacional, estadual e local. Ora, onde o Brasil está nesse processo? Bem, sou um dos diretores do Relatório de Competitividade Global, do Fórum Econômico Mundial. No relatório de 2003, o Brasil está em 34o lugar. Basicamente, os pontos fracos do país estão mais no lado do ambiente de negócios do que no lado das empresas. Logo, as boas notícias para os empresários é que eles estão à frente de seu país, em termos de sofisticação.

Mas as empresas estão, essencialmente, arrastando um peso muito grande, que é seu ambiente de negócios. Enquanto não conseguirem arrancar esse peso de suas pernas, não vão correr muito rápido. Isso não quer dizer que não haverá empresas altamente bem-sucedida. Elas já existem, mas, como país, como economia, o ambiente de negócios é o vagão que os brasileiros têm de puxar, não a locomotiva.

Os administradores brasileiros são mais sofisticados que o país. Mas o ambiente atrapalha.

Existem vantagens que, quando são medidas e registradas em nosso relatório, têm a ver com a presença de clusters, mas, no caso do Brasil, o fato é que, como sua economia era fechada, o país desenvolveu boa base de fornecedores em muitos campos. O problema é que os clusters não funcionam como clusters. Sim, o país tem os fornecedores, eles estão aqui porque eram parte de um sistema fechado, mas os clusters não funcionam bem. Não vemos aqui muitas organizações relacionadas a clusters, não vemos muitas iniciativas para o desenvolvimento deles, não vemos muitas ferramentas de colaboração. Há bom número de competidores na maioria dos campos.

Vemos algum sucesso em governos regionais. Vemos alguma força isolada em áreas como as telecomunicações, na qual o Brasil desenvolveu infra-estrutura em nível mundial. Logo, há boas notícias. Há áreas em que existem energias competitivas: as coisas que nós não medimos no relatório, que eu meço quando estou aqui e falo com pessoas que posso ver, tocar e sentir.

Há um nível de criatividade, um impulso empreendedor, um sentimento de não se deixar abater por limites e restrições. Há um nível de energia que considero muito característico deste país. Logo, há pontos fortes consideráveis, mas também há pontos fracos substanciais, que continuarão atrasando o tão esperado milagre econômico do Brasil. Antes de tudo, as barreiras comerciais significativas que ainda existem.

Os dados disponíveis mostram que, quanto maior o número de barreiras comerciais, menor a produtividade. No Relatório de Competitividade Global de 2003, o país foi avaliado em termos de barreiras comerciais e recebeu 80 pontos em 80. Oitenta pontos em 80. Recursos humanos são outro ponto fraco significativo. Problemas de qualidade do sistema educacional, conhecimento de ciências e matemática, coisas desse tipo. Há um monte de gente inteligente no Brasil, que gostaria de estudar ou, pelo menos, estudar bem. Mas não há universidades de nível mundial, não em número suficiente para fazer a diferença.

Dizer que a estrutura administrativa é pesada e ineficiente é ser gentil: ela é uma bagunça! Burocracia, papelada, atrasos, intrusão, incompetência, esse é o tão temido custo Brasil. Vivi isso uma noite em que pousei na Amazônia, num pequeno aeroporto. Não havia mais ninguém lá, nenhum outro passageiro, porque estávamos no meio da noite. Pois bem. O trabalho burocrático demorou1 hora. Demoraram 1 hora para fazer um trabalho de 30 segundos.

No meio da noite, quando não havia mais ninguém lá. Também há pontos fracos na infra-estrutura física. Exceto as telecomunicações, toda ela é fraca. E as conseqüências da desigualdade também são uma questão real. Simplesmente não há boa infra-estrutura técnica e científica. Há poucos incentivos adequados. Os impostos são um problema, as estruturas tributárias são um enorme problema, assim como a falta de um sistema previdenciário que tenha um custo razoável. Os mercados de trabalho são ineficientes. É bom ver que há progressos sendo feitos, mas isso é só o começo do desafio. O que considero mais preocupante é que não há estratégia.

Ouvi dizer que o governo formou um grupo de trabalho ministerial sobre o desenvolvimento de clusters. Há sinais promissores. Mas, até que cada brasileiro saiba qual é a estratégia do país para se tornar uma economia produtiva e avançada, e todos comprem essa idéia, não podemos estar certos de que muito progresso tenha sido feito. Cada empresário hoje deveria estar pensando: "Como posso montar meu cluster? O que posso fazer para melhorar as instituições educacionais que servem o meu cluster? O que posso fazer para criar uma capacitação tecnológica que apóie o meu cluster? O que posso fazer para trazer fornecedores que instalem subsidiárias no Brasil para apoiar meu cluster? O que posso fazer para trabalhar com o governo para obter melhor infra-estrutura para o meu cluster?" Os administradores brasileiros tenderam a ser passivos em seu papel no desenvolvimento econômico do país.

Não dá mais para ser passivo. É preciso tornar-se líder no processo de desenvolvimento. O governo não sabe como fazer. Os empresários devem dizer isso a ele. Têm de dizer o que necessitam, o que barra o caminho da produtividade. Têm de fornecer dados, orientação, estar dispostos a gastar tempo e energia nisso, em vez de apenas dizer: "Oh, o governo é um problema". Os empresários têm de assumir esse papel. Nos países bem-sucedidos, que se movem na direção certa, o setor privado tem papel forte no desenvolvimento econômico nacional e regional, um papel que é pouco buscado no Brasil.

Artigo extraído da revista Exame do dia 13/01/2004

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