Poucas escolas de engenharia têm tanto conhecimento em concreto armado quanto a brasileira. As peculiaridades de nossa sociedade, economia, recursos naturais e outras influências nos levaram a desenvolver tecnologias variadas para construir com esse material, composto por cimento, areia, água, agregados e aço.A história do concreto armado no Brasil começou em 1904, no Rio de Janeiro, com a construção de um conjunto de seis prédios pela Empresa de Construções Civis, sob responsabilidade do engenheiro Carlos Poma. À época, conforme descrito no livro "A Escola Brasileira do Concreto Armado", de Augusto Carlos de Vasconcelos e Renato Carrieri Júnior, o material era denominado cimento armado.
Demanda por melhores produtividades com menos mão-de-obra, falta de espaço para equipamentos de transporte e maiores velocidades de execução formam o cenário para o desenvolvimento de concretos como o auto-adensável |
Outro prédio pioneiro na utilização de concreto no País é a Estação Ferroviária de Mairinque. Não se trata de concreto armado, pois a estrutura é metálica, tendo sido executada com trilhos de trem. O concreto apenas reveste os perfis, protegendo contra corrosão.O engenheiro Arnaldo Forti Battagin, da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland), conta que os primeiros prédios altos brasileiros foram construídos nas décadas de 1920 e 1930, sendo respectivamente, os edifícios A Noite, na região portuária do Rio de Janeiro, e o Martinelli, no Centro de São Paulo.
Ainda de acordo com Vasconcelos e Carrieri, o concreto, desenvolvido na França por Joseph Monier, ainda era novidade em todo o Mundo. Curioso é que, inicialmente, nada tinha a ver com construções, sendo utilizado para criar peças que ficavam em contato com a água, como caixas d'água, encanamentos e até barcos.
Até a década de 1950, o concreto não mudou muito."Embora obras notáveis tenham surgido, o material em si não experimentou grandes inovações tecnológicas", afirma Battagin. Ele explica que, apesar do surgimento do reforço com fibras e do CCR (concreto compactado com rolo), as inovações mais significativas vieram com o CAD (concreto de alto desempenho), o concreto de alta resistência, o concreto com polímeros e, especialmente, o CAA (concreto auto-adensável).
Como o concreto é uma composição de materiais, sua evolução dependeu do desenvolvimento desses componentes. "Há grandes diferenças do concreto atual para o do engenheiro Ary Torres - fundador e primeiro diretor do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) e primeiro diretor geral da ABCP", afirma o professor Antonio de Figueiredo, do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo). Uma dessas diferenças é a qualidade do agregado, que, atualmente, é raro, especialmente nos grandes centros. Outra, o cimento, que era mais grosso.
Cimento fino, mais resistência
Na década de 40, havia o chamado concreto 13,5,que resistia a 135 kgf/cm², o equivalente a aproximadamente 12 MPa."Hoje, para ser considerado estrutural, tem que ter pelo menos 20 MPa", conta Fernando Rebouças Stucchi, professor da Poli e sócio-diretor da EGT Engenharia, em referência às exigências da NB-1 - Projeto de Estruturas de Concreto - Procedimento. Essa foi a primeira norma desenvolvida pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), em 1940.
Embora já tenha passado por cinco revisões, a última em 2003, desde a primeira versão a NB-1 previa o dimensionamento em serviço baseado em tensões admissíveis e também no estado limite último. "Apenas duas normas faziam isso: a brasileira e a russa", conta Stucchi, que afirma ser ideal revisar a norma a cada cinco anos para acompanhar a evolução de técnicas e materiais.
A evolução do cimento, do aço e dos aditivos justifica a periodicidade da revisão.Antes,menos moído, a superfície de contato entre as partículas de cimento era menor. Logo, consumia-se mais cimento para obter a mesma resistência. Com o desenvolvimento, as mesmas resistências passaram a ser obtidas com quantidades menores de cimento. No entanto, o concreto fica mais poroso e expõe a armadura à corrosão. Para evitar problemas, a norma traz um capítulo que aborda, exclusivamente, a durabilidade das estruturas de concreto. "Percebeu-se que era muito caro e difícil corrigir uma corrosão de armadura", pontua Figueiredo.
Ao explorar as vantagens do concreto de alto desempenho então recordista em resistência à compressão, o e-Tower ganhou vagas de garagem e flexibilidade estrutural para o desenvolvimento do projeto de arquitetura | Traço convencional perde espaço nas construções por exigir muitos operários para espalhar, regularizar e vibrar o concreto. Também não pode ser bombeado, exigindo equipamentos de transporte vertical |
Outra forma de impermeabilizar o concreto é com aditivos e adições. "O cimento mudou, então o traço também mudou", explica Stucchi. O engenheiro Rubens Curti, especialista em concreto da ABCP, complementa: "A evolução tecnológica permitiu alcançar melhores resultados em função do controle das matérias-primas utilizadas no preparo dos concretos".
Os aditivos começaram a mudar o comportamento do concreto a partir dos anos 70. A velocidade das construções e a demanda por obras enterradas criaram novas exigências para o concreto, que precisava apresentar resistências elevadas com menos tempo de cura. Além disso, os aditivos superplastificantes se mostraram atraentes para reduzir o consumo de cimento sem perder resistência. Assim, os primeiros movimentos acenavam para economia e flexibilidade estrutural decorrentes da resistência elevada. "O ganho de resistência estrutural passou a ser um campo de estudo muito atraente", explica Figueiredo.
Em outro sentido, caminhava a evolução do concreto-massa, muito utilizado em obras de barragem.Apesar de não exigir tanta resistência estrutural, demandava estudos para reduzir os gradientes de temperatura, decorrentes do calor de hidratação e da reação álcali-agregado, que provocam fissurações.Passaram a ser usadas adições no cimento, como a sílica ativa e o metacaulim. Em conjunto com os aditivos, aumentam o leque de possibilidades de aplicação do concreto.
Finalidades específicas
As adições e cimentos especiais foram os grandes sinais da evolução do concreto, de acordo com Figueiredo, da Poli."Hoje conseguimos concretos para durar centenas de anos e isolar resíduos radioativos", explica.As inovações têm contribuído para as demandas atuais da construção, como necessidade por altas resistências iniciais, durabilidade,menor exigência de mão-de-obra e redução do impacto ambiental.
Para atender a essa última urgência, os cimentos têm incorporado resíduos como o pó-de-pedra. "Não é nenhuma maravilha do ponto de vista tecnológico, mas é ótimo por reduzir os resíduos", afirma o professor da Poli. "É possível extrair areia artificial de rochas para a produção de concreto, uma vez que a extração de areia natural está sendo dificultada pelos órgãos ambientais", explica Curti. Já é usual a adição de sílica ativa, escória de altoforno e cinzas volantes. Essas, além de auxiliarem na redução dos resíduos de outras indústrias, podem melhorar o desempenho em alguns casos.
Outra novidade, que não se enquadra na categoria dos aditivos nem das adições, são as fibras, que podem ter fins estruturais, em substituição às malhas, ou para evitar o risco de spalling, efeito de lascamento explosivo do concreto pouco poroso, provocado pela exposição ao fogo.
Ensaios e testes convencionais do concreto começam a ser complementados por análises de modelos reológicos, que permitem compreender e obter novas interpretações do material no estado fresco | Com baixa resistência à compressão, o concreto-massa é utilizado em barragens e utiliza pouca quantidade de cimento. Gradientes de temperatura levaram à necessidade de adições para controlar a fissuração |
É claro que o surgimento do concreto mais fluido, para ser bombeado ou projetado, não é novidade. No entanto, atualmente, o uso de bombas que ocupem pouco espaço, associado à redução da mão-de-obra para espalhamento, fazem do concreto bombeável uma das maiores apostas para a evolução do material. São indícios desse encaminhamento os investimentos no CAA (concreto auto-adensável), que conta com a mobilização da ABNT para o desenvolvimento de norma específica, conforme conta Rubens Curti. "Acredito que o CAA seja forte candidato às construções do futuro, pois apresenta qualidade superior e custo relativamente baixo", comenta.Na Europa, de acordo com dados apresentados por Arnaldo Forti Battagin, o CAA já responde por 15% de todo o concreto consumido. "Seu uso contribui para as tendências de industrialização da construção civil, diminuindo o custo de mão-de-obra e aumentando a produtividade", salienta.
Para os próximos anos, aposta-se no advento da nanotecnologia para a produção de concreto, beneficiando as buscas por eficiência energética e ambiental que pautam a construção civil, e incrementando resistência e elasticidade ao material. Hoje, já é possível realizar análises de modelos reológicos para o estado fresco do concreto, que aumentam as possibilidades de aplicação. "Com o uso de aditivos, é importante saber se a bomba não vai entupir", exemplifica Figueiredo. O uso desses modelos irá gerar novas interpretações para o entendimento do comportamento do material no estado fresco, sendo essa, de acordo com Figueiredo, uma das grandes correntes evolutivas do concreto.
Bruno Loturco
Obras brasileiras emblemáticas
1926 - Marquise da tribuna de sócios do Jockey Club (Rio de Janeiro): com balanço de 22,4 m, recorde mundial na época
1930 - Elevador Lacerda (Salvador): maior elevador de passageiros para fins comerciais no mundo, com elevação de 59 m e altura total de 73 m
1930 - Ponte de Herval ou Ponte Emílio Baumgart (Santa Catarina): sobre o Rio do Peixe, com o maior vão do mundo, na época, com 68 m em viga reta. Primeira ponte do mundo em concreto construída em balanços sucessivos. Destruída pelas enchentes de 1983
1922/1934 - Construção dos edifícios A Noite, no Rio de Janeiro e Martinelli, em São Paulo, os primeiros arranhacéus brasileiros, com 102,8 m e 130 m, respectivamente
1962 - Edifício Itália (São Paulo): foi, por alguns meses, o mais alto edifício em concreto armado do mundo
1969 - Masp (Museu de Arte de São Paulo): com laje de 30 m x 70 m livres, recorde mundial de vão na época
1982 - Usina Hidrelétrica de Itaipu (Paraná): maior barragem de gravidade do mundo, com 190 m de altura e mais de 10 milhões de metros cúbicos de concreto
Década de 90 - Edifício World Trade Center (São Paulo): duas torres, uma com 26 e outra com 17 andares, tem 177 mil m² de área construída, laje lisa protendida com 25 cm de altura e vãos de 10 m, com vigas de bordo
Década de 90 - Edifício Suarez Trade (Salvador): com 33 andares e 40 mil m², tem concreto de 60 MPa nas colunas da torre, andares-tipo com 600 m² totalmente livres, estrutura protendida nervurada, com 15 m de vão e espessura total de somente 400 mm, laje plana em concreto armado nas garagens
Década de 90 - Edifício Manhattan Tower (Rio de Janeiro): com 114 m de altura e 8 m de largura, é recordista mundial em esbeltez para edifícios, com relação de 14:1
Década de 2000 - pista descendente da Rodovia dos Imigrantes, Centro
Empresarial Nações Unidas, com 167 m de altura, Museu da Escultura, Hotel Unique, edifício e-Tower, recordista em resistência à compressão, com concreto de 125 MPa, todos em São Paulo. Ponte JK, no Distrito Federal, e ponte sobre o rio Guamá, no Pará
Fonte: Augusto Carlos de Vasconcelos
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