Pergunte-se: não seria interessante um concreto que, uma vez lançado, se movesse por conta própria e preenchesse, sem necessitar de nenhuma intervenção, os espaços da fôrma? Pois o concreto auto-adensável tem essa capacidade. Além de não necessitar ser adensado com vibrador, não segrega e não aprisiona ar em excesso.
Como resultado, sua aplicação é rápida, requer menos mão-de-obra, e não deixa ninhos de concretagem. Por essas e outras razões, o CAA é cada vez mais empregado como material de construção, tanto nos setores de pré-moldados e pré-fabricados, como para as aplicações de concreto no local.
Neste artigo, descrevem-se as características do concreto auto-adensável, com ênfase nas propriedades no estado fresco e em sua composição. Um exemplo de aplicação em obra de edifício convencional é apresentado e analisado.
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O que é CAA?
As características do concreto fresco é que diferenciam o CAA do concreto convencional. O CAA tem que apresentar elevada fluidez e deformabilidade, além de elevada estabilidade da mistura, que lhe confere três características básicas e essenciais:
habilidade de preencher espaços nas fôrmas;
habilidade de passar por restrições;
capacidade de resistir à segregação.
Muitos insucessos na aplicação do CAA relacionam-se à elevada segregação, que resulta no afundamento dos agregados e na separação da água da mistura: a exsudação (figura 1). Assim, o CAA tem que ser fluido, deformável e, ao mesmo tempo, coeso.
Ensaios e requisitos no estado fresco
Os métodos de ensaio do CAA diferem dos empregados na avaliação do concreto convencional somente para as determinações das propriedades no estado fresco. As características essenciais do CAA são satisfatoriamente avaliadas com o espalhamento do tronco de cone, tempo de escoamento no funil-V e do desempenho ao escoamento e passagem por restrições na caixa-L. Tanto no laboratório quanto no recebimento em obra, os três ensaios devem ser realizados.
Para que seja considerado auto-adensável, o concreto precisa satisfazer a todos os requisitos apresentados na tabela 1.
Materiais e proporcionamento (dosagem)
No proporcionamento do CAA, alguns princípios básicos devem ser considerados:
a) para se conseguir elevada fluidez, a pasta do concreto deve lubrificar e espaçar adequadamente os agregados, de forma que o atrito interno entre os mesmos não comprometa a capacidade do concreto de escoar;
b) para que o CAA apresente resistência à segregação e seja capaz de passar por restrições sem que haja bloqueio, a pasta deve ter viscosidade suficientemente elevada a fim de manter os agregados em suspensão, evitando que segreguem pela ação da gravidade. Outros fatores que controlam a segregação são a quantidade e a distribuição granulométrica dos agregados, sendo que as distribuições contínuas são as mais adequadas para esse fim;
c) a capacidade de passar pelos espaços entre as armaduras, e dessas com as paredes das fôrmas, limita o teor e a dimensão dos agregados graúdos na mistura.
Materiais e composições típicas
Em princípio, todos os tipos de cimento empregados na produção do concreto convencional podem ser utilizados na produção do CAA. Não há restrições para os teores dos materiais componentes do CAA, desde que satisfeitos os requisitos do concreto nos estados fresco e endurecido. No entanto, algumas particularidades cabem ser mencionadas:
frequentemente, mas não exclusivamente, um superplastificante à base de ácido policarboxílico (carboxilato) é utilizado;
o teor de finos (partículas com diâmetro £ 0,075 mm) tipicamente fica entre 400 kg/m³ e 600 kg/m³. A relação de água - finos totais fica entre 0,80 e 1,10, em volume;
o uso de aditivo promotor (ou modificador) de viscosidade não é essencial a todas as misturas, mas é especialmente importante quando as partículas finas não estão presentes em volume suficiente;
em muito casos os CAA podem resultar mais baratos e com melhor qualidade com o uso de agregados graúdos de até 10 mm de diâmetro;
o volume de agregado miúdo está, em geral, entre 35% e 50%, e o volume de agregado graúdo entre 25% e 35%.
Aspectos que merecem particular atenção
Grande parte dos métodos usados com sucesso para a dosagem de concretos convencionais não são adequados para o proporcionamento racionalizado do CAA. Além disso, os aditivos não devem ser usados como forma de corrigir proporcionamentos (traços) inadequados. O teor de cimento pode ser reduzido pela adição de finos ativos ou inertes, de forma a garantir o teor necessário de finos para assegurar adequadas coesão e estabilidade no estado fresco.
Concretos auto-adensáveis não necessitam ser autonivelantes. Deve-se lembrar que quanto mais fluido for o concreto, maior será seu custo. Além disso, é difícil o controle de aplicação e o rastreamento do CAA de elevada fluidez na concretagem de vigas e lajes, pois o concreto literalmente "foge" do lugar de aplicação.
A obtenção de CAA a partir de traços de concretos convencionais pela simples incorporação de finos, do uso de superplastificante de base ácido carboxílico e do aumento do seu teor, geralmente resulta em CAA de baixa qualidade e com custo elevado. O uso de métodos de dosagem apropriados para CAA, como, por exemplo, o de Okamura e o de Repette-Melo, é o primeiro passo para se alcançar, na plenitude, os benefícios do uso do CAA.
Aplicação do CAA como substituto do concreto convencional
A avaliação do uso do CAA nas obras convencionais de estruturas de concreto armado é um passo importante para a disseminação e aperfeiçoamento desse material e dessa tecnologia. A avaliação, descrita a seguir, atesta as vantagens e a facilidade do uso desse material. O estudo deu-se no âmbito dos trabalhos da Comunidade da Construção Florianópolis e foi realizado entre setembro e dezembro de 2004.
Descrição
As aplicações de CAA e de concreto convencional foram monitoradas durante a construção de duas lajes de um edifício residencial, uma feita com CAA e outra com concreto convencional (abatimento de 10 cm). As fôrmas e cimbramentos foram os mesmos para ambas as lajes. As características estão apresentadas na tabela 2.
Os concretos foram produzidos em central e transportados em caminhões com capacidade de 8 m³. As betonadas do CAA tinham 5 m³, e as de concreto convencional, 8 m³. Todos os materiais constituintes foram adicionados na central. O tempo médio de transporte foi de 40 minutos e a temperatura média ambiente era de 26ºC. Uma vista geral do pavimento sendo concretado com CAA é apresentada na figura 2.
Preparação para aplicação do CAA
Para prevenir que o concreto fluísse dos trechos de lajes com maior cota para o de menor, foram construídos diques, como ilustra a figura 3. Vigas invertidas e escadas foram concretadas com concreto convencional (figura 4). Nos locais onde era possível a entrada de concreto nas peças cerâmicas da laje mista, os orifícios dos tijolos foram tampados com argamassa ou membrana plástica. Os furos dos tijolos, nas faces entre dois tijolos, não necessitaram ser tampados. Os espaços entre vigotas pré-fabricadas justapostas foram preenchidos com argamassa (figura 5).
Aplicação do CAA e do concreto convencional
Na obra, amostras do concreto de todos os caminhões foram avaliadas pelos ensaios de espalhamento (figura 6), funil-V e caixa-L (figura 7). Tanto o concreto convencional quanto o CAA foram transportados/aplicados pelo mesmo conjunto bomba-lança, e a execução de cada pavimento deu-se segundo o mesmo plano de concretagem. No total, foram aplicados 57 m³ de CAA (vigas invertidas e escada foram concretados com concreto convencional) e 64 m³ de concreto convencional. Aproximadamente metade do volume de CAA foi produzido com espalhamento maior que 750 mm e a outra metade com espalhamento em torno de 650 mm, objetivando a análise da influência da aplicação de CAA com "classes" diferentes. Todo o processo de aplicação foi filmado ininterruptamente, para permitir a análise detalhada das operações de aplicação do CAA (figuras 8 a 19).
Considerações sobre a produtividade da mão-de-obra e o uso do CAA
O resumo dos resultados sobre a produtividade da mão-de-obra na aplicação dos concretos é apresentado na tabela 3. Os resultados foram obtidos considerando-se, exclusivamente, os operários diretamente envolvidos na aplicação do concreto e as horas efetivamente trabalhadas, não sendo computados os tempos de espera de descarga do concreto.
Conclui-se que o consumo de mão-de-obra é consideravelmente menor para a aplicação do CAA, enquanto que a aplicação de concreto convencional requer intensa mão-de-obra. A taxa de aplicação do CAA de elevada fluidez (espalhamento maior que 750 mm) foi praticamente a mesma do concreto de menor fluidez (espalhamento em torno de 650 mm). O CAA de menor fluidez foi mais fácil de aplicar e de controlar (ex.: rastreabilidade) na concretagem realizada.
Pelo fato dos salários pagos no Brasil não serem expressivos, a redução no consumo de mão-de-obra, por si só, não justificaria a adoção do CAA como substituto do concreto convencional em todas as aplicações. Nesse caso, a disseminação do uso do CAA será maior quando outros aspectos forem considerados, técnica e economicamente, como por exemplo:
os custos com aquisição, manutenção e uso de vibradores podem ser completamente eliminados;
a reutilização do conjunto de fôrmas é maior, uma vez que não ocorrem danos causados pelos vibradores de imersão;
como não há ninhos de concretagem (bicheiras), e como tem-se reduzida a presença de bolhas na superfície do concreto, os custos com reparos e "maquiagens" são significativamente diminuídos;
a remoção das fôrmas ocorre mais facilmente, causando menos danos e resultando em maior possibilidade de reúso;
elementos de concreto com elevada taxa de armadura não precisam ter sua seção aumentada para permitir a concretagem, o que reduz o volume de concreto;
há redução significativa dos ruídos na aplicação do CAA, representando a possibilidade de aumentar o tempos de trabalho em áreas urbanas onde haja restrições dos níveis de poluição sonora.
Considerações finais
A investigação suportou a afirmação de que o CAA é um material inovador e que representa um avanço significativo para o setor da Construção Civil. O CAA apresenta muitas vantagens se comparado ao concreto convencional e pode ser aplicado na construção de estruturas de concreto armado sem que sejam necessárias alterações significativas nas fôrmas, nos equipamentos de transporte, no lançamento ou nos métodos de cura. Em muitos aspectos, o CAA é um "concreto tradicional".
Para o emprego mais difundido do CAA é necessária a redução de seu custo. Isso pode ser conseguido, em parte, pela redução dos preços dos aditivos superplastificantes de base policaboxilato, devido à maior demanda e à diminuição nos custos de produção. O impacto do CAA não deve ser avaliado somente com base no custo de produção, mas considerando-se também outras vantagens que se obtêm do seu emprego. O destino do CAA é tornar-se o "concreto convencional" do futuro.
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