terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Artigo sobre deformação lenta no concreto da Revista Téchne

Variável concreta


A fluência, fenômeno próprio do material, pode ser minimizada com projeto e execução adequados


Por Simone Sayegh


Diversos pesquisadores têm-se empenhado em conhecer as propriedades do concreto, dentre elas a fluência. Trata-se de uma propriedade comum a diversos materiais. O fenômeno caracteriza-se pelo aumento gradual da deformação do material quando sujeito a uma tensão constante ao longo do tempo. No caso do concreto, pode-se concluir que, exatamente por aliviar as concentrações de tensões, a fluência possibilita que o concreto seja utilizado como material estrutural. "Essa propriedade é extremamente importante e benéfica, sob esse ponto de vista", explica a engenheira Inês Bataggin, superintendente da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e pesquisadora da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland).

Como o próprio nome sugere, a deformação lenta do concreto ocorre ao longo de muitos anos. Estudos realizados pelo ACI (American Concrete Institute) demonstram que as deformações em corpos-de-prova de concreto são verificadas mesmo após 30 anos. Esses registros sugerem a tendência assintótica a um valor constante de deformação, se não houver modificações no carregamento ao longo do tempo. "No entanto, como o incremento de deformação após algum tempo passa a ser muito pequeno, esse conhecimento serve apenas a pesquisas acadêmicas", conclui.

Justamente por aliviar concentrações de tensões, o concreto tem ótimas propriedades estruturais, mas as deformações devem ser previstas a longo prazo

Algumas das causas básicas do fenômeno já foram determinadas, mas ainda há muitos pontos de relação a serem mensurados. De acordo com Inês, a perda da água intracristalina, sob pressão constante, parece ser uma das relações de grande importância na determinação do grau de fluência no concreto, o que pode sugerir que elevadas relações água/cimento sejam indesejáveis no que se refere ao controle do fenômeno. Assim como a fluência é sensivelmente influenciada pela disponibilidade de água do composto, diversas outras propriedades como módulo de elasticidade e resistência à compressão também geram variações nas deformações. A fluência é diretamente proporcional à relação água/cimento e inversamente proporcional aos valores de módulo de elasticidade e resistência à compressão. É importante que o concreto continue a apresentar ganhos de resistência após a aplicação de carga na estrutura, já que o peso próprio constitui um primeiro carregamento. Sabe-se ainda que a fluência diminui com o aumento das dimensões do elemento estrutural, portanto estruturas mais esbeltas requerem mais atenção.

É importante ressaltar que a variação volumétrica resultante da reação exotérmica de hidratação do cimento não interfere na fluência. É um fenômeno de comportamento não-linear do concreto quando submetido a uma tensão que ultrapassa a fase elástica. Quando a retirada da carga atuante dá lugar à volta de uma parte da deformação, o material está na fase elástica, enquanto que a parte correspondente à deformação além do limite elástico é irreversível. Do ponto de vista desse comportamento, o concreto é um material visco-elástico que tem sua deformação diferida ao longo do tempo.

Além de decisões de projeto, na hora de executar a estrutura é indispensável considerar a maturidade do concreto no momento de aplicação das cargas e a magnitude desses carregamentos. Segundo experimentos, a fluência dos concretos carregados a baixas idades é maior do que a verificada em concretos carregados a idades maiores. "Esse comportamento é devido ao maior grau de hidratação dos concretos com maior idade, que apresentam estrutura interna mais compacta e menos água disponível", explica Inês. "Cerca de uma quarta parte da fluência ocorre nas duas primeiras semanas de carregamento", conclui.

De acordo com o engenheiro José Zamarion, do Ibracon (Instituto Brasileiro do Concreto), a idade fictícia do concreto no instante de aplicação da carga, tempo zero e no instante considerado (tempo t), leva em conta o histórico de desenvolvimento da resistência do concreto. Zamarion ressalta que as condições para estimativa (cálculo) do coeficiente de fluência pressupõem uma tensão de 0,4 x tensão de ruptura por ocasião do carregamento e são válidas após a idade de três dias.

O edifício Mandarim, em São Paulo, foi uma das primeiras estruturas monitoradas nas primeiras idades de carregamento

Controle de projeto

No Brasil, a NBR 6118 estabelece como deve ser realizado o projeto de estruturas de concreto. A versão publicada em 2003 prevê as análises global e localizada das deformações, de maneira que a estrutura seja verificada como um todo e em partes, e estabelece limites de deformabilidade. A consideração da fluência no cálculo estrutural é obrigatória por essa norma e pode ser obtida por uma análise simplificada ou complexa. A norma técnica nacional correlaciona o valor da fluência do concreto aos valores de módulo de elasticidade, dimensões do elemento estrutural, umidade e outros, em função do conhecimento já adquirido nas pesquisas realizadas. Apesar do conhecimento de importantes variáveis que determinam o fenômeno, a fluência ainda é uma propriedade difícil de ser medida empiricamente. A norma brasileira de ensaios, a NBR 8224, determina modelos de ensaios de longa duração, cerca de 400 dias, mas poucos laboratórios dispõem do equipamento necessário à sua execução. O tempo de duração do ensaio e seu alto custo tornam restritivo seu uso corrente, sendo pouco solicitado pelo meio técnico. "A não ser no caso da construção de barragens, onde essa propriedade é fundamental para o sucesso do empreendimento", explica Inês Battagin. No Brasil, assim como em grande parte dos países, a fluência ainda é determinada por estimativas teóricas a partir de dados mais facilmente obtidos. "Não apenas a previsão da fluência, mas muitas outras especificações e premissas exigidas em norma devem ser explicitadas nos documentos que acompanham o projeto estrutural", conclui.


Para Zamarion, a deformabilidade da estrutura pode ser controlada com o uso de concretos com resistência e módulo de elasticidade corretos, e o seu lançamento pode ser realizado com a escolha adequada dos elementos enrijecedores. Para se obter uma maior trabalhabilidade do concreto, ou maiores valores de abatimento (slump), podem ser utilizados aditivos plastificantes ou superplastificantes na mistura, no lugar do aumento da relação água/cimento. Esse é o procedimento usual para se obter concretos de elevada resistência à compressão e de fácil aplicação em estruturas com alta densidade de armadura (espaços reduzidos), pois um aumento na relação água/cimento fatalmente provoca uma expressiva queda na resistência. Os concretos atuais com abatimentos entre 16 e 20 cm, conseguidos com uso de superfluidificantes, e os chamados auto-adensáveis, com aditivos químicos, conferem resistência mais alta e módulo de elasticidade adequado, desde que o agregado graúdo apresente modo de elasticidade compatível. "Esses concretos devem apresentar boa coesão em estado plástico e dispensam o adensamento, além de superarem os concretos convencionais do ponto de vista da fluência", explica. Já concretos mais argamassados, como é o caso do bombeável, tendem a apresentar menores valores de módulo de elasticidade do que os convencionais, e conseqüentemente maiores valores de fluência. Esse tipo de concreto, indicado para aplicação em locais de difícil acesso, deve ser utilizado com o conhecimento prévio de suas características físicas, obtidas por ensaio e consideradas em projeto.

De acordo com o engenheiro Francisco Graziano, do escritório de engenharia Pasqua e Graziano, a indeterminação real da fluência, também condicionada a fatores de origem climática como umidade do ar e temperatura ambiente, requer dispositivos estruturais de compensação. Nos casos em que o conhecimento da deformação de uma viga é indispensável para garantir seu bom desempenho em serviço, como em vigas fletidas de grandes vãos, e existem dúvidas sobre a variabilidade da grandeza referente ao deslocamento, lança-se mão de alterações do sistema estrutural por meio do uso de sistemas protendidos. "A protensão forma uma contracurvatura mecânica que pode neutralizar o efeito deletério da fluência", explica.

Graziano também alerta para uma confusão comum entre engenheiros: considerar como fluência a deformabilidade de uma peça resultante de um estado de fissuração. "Esse fenômeno pode ser responsável pela amplificação de até duas vezes na deslocabilidade da peça, resultando em deslocamentos extremamente inesperados", explica. Isso se deve ao fato de a fissuração reduzir de forma dramática a rigidez da seção transversal da peça à quase metade da grandeza apresentada antes da ocorrência. A fissuração depende da qualidade do concreto utilizado, da quantidade de armadura da peça, da grandeza das cargas aplicadas, das condições de cura, da desenforma e reescoramento.

Com as medições efetuadas, os projetistas do edifício Mandarim puderam determinar o melhor momento para execução das alvenarias internas sem o risco de ocorrência de patologias devidas a deformações

Controle da execução
Todos os especialistas concordam que para minimizar os efeitos da fluência as soluções construtivas devem contemplar o comportamento sistêmico do edifício, de maneira a prever o bom funcionamento conjunto dos componentes. "As mudanças nos sistemas executivos levaram ao aparecimento de problemas na interface estrutura-vedações e na deformação das estruturas, com deslocamentos além do esperado", explica Zamarion. Sistemas com comportamento similar são especialmente indicados para uso conjunto, como revestimentos de argamassa em alvenaria de blocos de concreto, onde se verifica não apenas a aderência física do revestimento (ranhuras e reentrâncias preenchidas), mas também a aderência química por similaridade do material. Além disso, as vedações devem ser capazes de absorver as deformações da estrutura sem gerar tensões internas.

Com relação à estrutura, o cuidado com o concreto nas primeiras idades é determinante para sua vida útil. A manutenção da relação tensão-resistência dentro de limites aceitáveis exige escoramento adequado e a não-colocação de materiais de construção sobre a estrutura recém-concretada, ou seja, o adiamento do início de execução das vedações. Em todos os casos, recomenda-se um plano de escoramento onde se considere, para cada etapa, o binômio "resistência à compressão-módulo de elasticidade" como base para a definição das escoras que devem permanecer em sua posição original até que possam ser removidas, sem prejuízo para o elemento estrutural e para o concreto. "Nesse sentido, encontra-se em desenvolvimento um projeto de norma que trata especificamente de fôrmas e escoramentos para estruturas de concreto, visando estabelecer com maior propriedade as exigências a respeito do tema", explica Inês.

De acordo com a pesquisadora, os principais fatores que elevam as deformações por fluência no momento da execução estão relacionados ao processo de secagem do elemento estrutural, por falta de cura ou cura insuficiente. A cura, especialmente nas primeiras idades, propicia aumentos da resistência e do módulo de elasticidade do concreto. No entanto, contra isso pode pesar o aumento da temperatura, acentua a secagem, e a elevada relação tensão-resistência no instante de aplicação da carga, que acima de 0,4 produz microfissuras no concreto que aumentam significativamente a fluência. Apesar de normalizado há mais de duas décadas, o ensaio de módulo de elasticidade era pouco utilizado. Com a revisão da NBR 8522, em 2003, o ensaio ficou mais fácil e confiável (menor variabilidade de resultados), sendo aconselhável sua determinação antes do início da obra, para os materiais que se pretende utilizar, de maneira a assegurar os valores adotados em projeto. "O acompanhamento desse parâmetro no decorrer da obra é necessário apenas se houver troca de materiais, especialmente do agregado graúdo, ou expressiva modificação no traço do concreto", conclui.

O escoramento e o reescoramento residual são etapas decisivas para o controle das deformações, até que o concreto atinja as resistências desejadas e flexões admissíveis Com mais lajes executadas em intervalos curtos e o fato de as estruturas serem mais delgadas provocaram há alguns anos patologias em uma série de obras

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