quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Vazios de Concretagem

Cuidados especiais com a armação e uso de produtos para alterar características do concreto podem evitar a formação das "bicheiras"


Detalhe de bicheira em lateral de viga protendida
Mais do que um problema estético, os vazios ou nichos de concretagem, popularmente conhecidos como bicheiras, podem afetar a durabilidade e resistência das estruturas de concreto, que poderão sofrer deformações ou até mesmo entrar em colapso. As principais causas do problema são as falhas no processo de concretagem da estrutura, por exemplo, no lançamento ou adensamento do concreto. Algumas vezes, no entanto, a patologia pode ser causada por erro no detalhamento da armadura.

Nesse caso, o congestionamento de ferragens retém a brita e deixa passar apenas a argamassa, formando bicheira na parte superior do elemento estrutural. "O nicho também pode ser originado pela utilização de agregados graúdos em locais onde o espaçamento da armadura é insuficiente", explica Selmo Chapira Kuperman, engenheiro consultor da Themag, empresa de engenharia consultiva.

As relações entre o tamanho máximo do agregado usado no concreto, dimensões das peças estruturais e distâncias horizontais e verticais entre barras de aço devem respeitar algumas regras para que os vazios de concretagem sejam evitados (veja figura). "Para evitar esse tipo de patologia, além de seguir esses parâmetros, é preciso garantir a dosagem, lançamento e adensamento adequados do concreto", recomenda o engenheiro Ercio Thomaz, pesquisador do Centro de Tecnologia do Ambiente Construído, do IPT.

A vibração excessiva do concreto, por exemplo, poderá gerar a segregação de componentes e, conseqüentemente, os vazios de concretagem. O tipo de vibrador, a freqüência e o tempo de vibração, por sua vez, dependem da dimensão dos agregados e da densidade da armação. No adensamento por imersão, tipo mais comum, vibradores de imersão ou agulhas deverão ser inseridos em vários pontos, de forma que toda a massa de concreto seja adensada.

À esquerda, bicheira na parte intermediária do pilar e, à direita, a mesma patologia, mas em fundo de viga de edificação comercial
Paulo Fernando Araújo, autor do Manual de Patologia, explica que fôrmas estanques, bem executadas, evitam a formação de bicheiras ao impedir que a nata de cimento escorra por aberturas ou frestas, ocasionando falhas no concreto. "Outra recomendação para evitar essa patologia seria o lançamento adequado do concreto, que nunca deve exceder uma altura de 3 m", afirma. "Caso contrário, a brita tende a chegar na base do elemento estrutural antes da argamassa, causando bicheira na parte inferior da peça", complementa Araújo.

"Em pilares, quando a altura de lançamento for superior a 1,5 m, recomenda-se que o concreto seja bombeado ou lançado por equipamentos auxiliares como trombas de elefante e funis", diz Cláudio Palma, da construtora Tecnipol. Em condições como essa, janelas e cachimbos são indicados para facilitar a concretagem e a vibração adequadas, de forma que não haja a segregação dos componentes. "Uma concretagem difícil requer um concreto de slump elevado (8 ±1 ou 8 ± 2)", acrescenta Palma. Outra opção viável, porém mais cara, segundo ele, seria o concreto auto-adensável.

Por serem suscetíveis à formação de bicheiras, as juntas frias devem ser sempre tratadas com hidrojateamento ou apicoamento manual de forma a diminuir a incidência da falha. "A elaboração de um plano de concretagem permite uma seqüência lógica e mais eficiente de concretagem, evitando os pontos de descontinuidade das fôrmas e, conseqüentemente, as emendas", diz Flávio Henrique Cunha Lobato, gerente de obras da Andrade Gutierrez.

A dosagem adequada dos componentes do concreto pode evitar bicheiras, mais comuns em concretos que tenham uma quantidade insuficiente de argamassa ou muito agregado graúdo. Em contrapartida, em concretos muito fluidos, com slump alto (mas sem boa coesão), também estão suscetíveis a essa patologia. "O ideal é contar com a assessoria de uma empresa especializada em tecnologia do concreto na hora de dimensionar seu traço", aconselha o engenheiro Flávio Henrique Lobato, gerente de obras da construtora Andrade Gutierrez.

Em obras de maior complexidade, como, por exemplo, túneis metroviários e barragens, recorrer a tecnologias e materiais de ponta pode ajudar a reduzir a incidência de patologias do concreto, dentre elas as bicheiras e fissuras. O engenheiro cita como exemplo a construção dos túneis do corpo da estação Chácara Klabin (veja boxe), em que uma estrutura especial com formato abobadado foi preenchida com concreto auto-adensável, de grande trabalhabilidade e coesão, em vez do convencional. "O método construtivo e o material adotado nos garantiram uma estrutura homogênea", explica Lobato.


Parâmetros da antiga NBR 6118/78 para prevenção de bicheiras

Reparo de bicheiras

Uma vez descobertos, os nichos de concretagem devem ser devidamente reparados a fim de evitar problemas relacionados à durabilidade das estruturas que, em casos mais graves, pode acarretar deformações e até risco de entrar em colapso (dependendo do elemento estrutural e seu uso). "Cobrir a bicheira com argamassa ou qualquer outro material, sem removê-la, poderá mascarar um problema mais sério, como a corrosão da armadura", explica Kuperman. Segundo o engenheiro consultor, o trecho da armadura cuja seção transversal ficou comprometida pela corrosão deverá ser removido e substituído por novas barras.

O material de preenchimento poderá variar de um simples graute a um concreto, de acordo com o tamanho do vazio a ser preenchido. "Não existe panacéia e há várias maneiras de reparar bicheiras", afirma Kuperman. Fôrmas do tipo "cachimbo", por exemplo, garantem um bom preenchimento de falhas mais profundas em superfícies verticais, como pilares. Já as pistolas de pressão podem ser ideais para reparar as falhas mais superficiais com graute ou argamassa. "No concreto e na argamassa, aditivos e adições adequados conferem uma boa coesão à mistura e aumentam a aderência do material ao substrato", acrescenta.

A primeira coisa a se fazer ao encontrar uma bicheira é delimitar a falha com o desenho de um quadrado ou retângulo. "Formas triangulares devem ser evitadas por criar retrações diferenciais que, por sua vez, causarão fissuras", diz Araújo. A partir daí, o material "solto" deverá ser removido com um ponteiro e martelo, até que se atinja um concreto "sadio" ou homogêneo. "Depois de limpo, lavado e saturado, o substrato deverá ser preenchido, impreterivelmente, com material de base cimentícia e módulo de elasticidade semelhante ao do concreto existente", complementa Araújo. Isso garantirá a compatibilidade de deformação entre o material de reparo e o existente.


Antes do vazio ser preenchido, o material solto deverá ser totalmente removido e a superfície deverá receber tratamento específico
Vazios de concretagem em pé de pilar, causado pelo lançamento indevido do concreto, provavelmente feito a uma altura superior a 3 m
Principais causas

  • Dosagem inadequada do concreto: concreto muito fluido, sem coesão, com excesso de agregado graúdo
  • Lançamento do concreto em alturas superiores a 3 m
  • Erro no detalhamento da armadura: alta concentração de barras
  • Vibração excessiva
  • Erro na especificação do tamanho máximo do agregado (veja figura)
  • Peças esbeltas, preenchidas com concreto de baixo slump
  • Fôrmas mal-executadas, sem estanqueidade


    Escolha segura

    Em obras complexas, como a construção dos túneis da Estação Chácara Klabin do metrô paulistano, o uso de concreto auto-adensável garantiu uma estrutura homogênea.

    O revestimento secundário dos túneis do corpo da Estação Chácara Klabin, das Obras de Expansão da Linha 2 (Verde) da Companhia do Metropolitano de São Paulo, exigiu da equipe de engenharia técnica da construtora Andrade Gutierrez atenção especial para a fabricação das armações, das fôrmas e no processo de concretagem. O concreto auto-adensável recebeu aditivos do tipo policarboxilato, da classe dos superfluidificantes, para manutenção da trabalhabilidade. O plano de concretagem definiu, dentre outras coisas, o bombeamento do concreto em camadas na fôrma metálica, que foi vibrada externamente apenas para evitar
    a formação de bolhas de ar. O engenheiro responsável pela obra, Flávio Henrique Cunha Lobato, explica que a opção por um concreto convencional, de traço não auto-adensável, exigiria métodos distintos de execução. "No caso, a fôrma deveria conter janelas para que a vibração acontecesse pontualmente, em diferentes trechos para adensamento total da estrutura", afirma Cunha Lobato. "Dessa forma, os resultados também poderiam ser satisfatórios, mas haveria mais riscos para a formação de bicheiras e fissuras", finaliza.



  • Reportagem de Valentina Figuerola
    Téchne 109 - abril de 2006


     

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